Uma festa polonica incomum no Rio de Janeiro (2013)


No domingo 25 de agosto de 2013 a comunidade polônica do Rio de Janeiro celebrou a solenidade da sua Padroeira − Nossa Senhora do Monte Claro, bem como os 60 anos da utilização da histórica capela de Nossa Senhora da Piedade (situada na parte meridional da cidade, no bairro do Flamengo), que funciona como o centro da paróquia pessoal polonesa no Rio de Janeiro.

 

O ponto principal dessa dupla comemoração foi a solene missa concelebrada, naturalmente cantada e celebrada inteiramente em língua polonesa. Antecipadamente o pároco Pe. João Sobieraj SChr convidou o abaixo assinado − reitor da Missão Católica Polonesa no Brasil − para presidir a Eucaristia e pronunciar a homilia ocasional.

 

O Padre João, que atende à colônia polonesa do Rio, inicialmente cumprimentou cordialmente todos os presentes nesse histórico santuário. Importa assinalar a presença do Sr. Jacek Such − Cônsul-Geral da Polônia, especialmente vindo de São Paulo para as solenidades, além da presença de um numeroso grupo de poloneses e pessoas de origem polonesa. Entre os compatriotas mais idosos que participavam da missa, podiam perceber-se muitos rostos jovens. Eram polonesas e poloneses que ultimamente escolheram o Rio de Janeiro − a mais bela cidade do mundo − como o lugar da sua residência. A participação dessas pessoas jovens na solene Eucaristia é um sinal de que, vivendo num ambiente estranho, elas não perderam os valores da sua fé, mas participam ativamente da vida religiosa da paróquia pessoal polonesa.

 

Gostaria de registrar aqui uma observação muito pessoal. Eis que a liturgia da missa foi muito bem preparada. O engajamento dos nossos compatriotas, pessoas leigas, demonstrou a beleza do crescimento espiritual daqueles que dela participaram ativamente. Não posso deixar de mencionar, na liturgia e na vida da paróquia polonesa, a ativa presença das Irmãs Missionárias de Cristo Rei. Essas irmãs servem aos compatriotas no Rio de Janeiro desde 5 de outubro de 1989. Além disso, chamava a atenção a discreta, bela, mariana, mas também patriótica decoração do santuário, o que é um mérito do engajamento pessoal do pároco Pe. João Sobieraj SChr, que − apesar dos seus 80 anos de vida − demonstra muita energia, iniciativa e juvenil vitalidade.

 

Antes do término da missa, tomou a palavra a Professora Doutora Aleksandra Sliwowska-Barth. Representante de uma sucessiva geração polônica (neta de imigrantes poloneses), em seu pronunciamento em língua portuguesa ela enfatizou a fé dos poloneses, o seu culto e o amor a Nossa Senhora do Mundo Claro, bem como a história dos 60 anos da igreja polonesa no Rio de Janeiro. Na fala da intelectual polônica não faltaram palavras de memória e gratidão da colônia polonesa do Rio aos sacerdotes da Sociedade de Cristo, que desde 1963 prestam assistência aos compatriotas estabelecidos na Cidade Maravilhosa − a antiga capital do País.

 

Logo após o término da solene Eucaristia, o pároco, Padre João, convidou todos os participantes a um salão adjacente à igreja, para um banquete preparado com muita arte e esmero culinário e oferecido aos compatriotas. Na preparação dessa parte da festividade envolveu-se a Sociedade Beneficente Polônia, uma organização muito meritória para o polonismo, surgida no dia 29 de novembro de 1890. A mencionada Sociedade não apenas assinou há sessenta anos o contrato de aluguel da histórica capela, mas todos os meses paga ao proprietário − uma irmandade eclesiástica − a soma de dinheiro estipulada para que a comunidade polônica possa ter ali garantido o seu local de culto e sentir-se no santuário como em sua própria casa, na distante Polônia.

 

Recordo neste ponto − do meu período de pastoral em prol da colônia polonesa carioca − a solene comemoração do centenário dessa Sociedade, comemorado no dia 11 de novembro de 1990, com a participação do cardeal Francisco Macharski − Arcebispo de Cracóvia.

 

Sempre esse tipo de encontros ocasionais dos concidadãos − deliciando-se com os excelentes frutos do engajamento, do trabalho e das aptidões culinárias das polonesas − é ocasião para longas conversas, recordações, lembranças de pessoas que já se encontram na Casa do Pai e que muito contribuíram para o desenvolvimento e o dinamismo da coletividade polônica. Parece que em tais ocasiões a língua pátria se torna ainda mais bela e é expressa com maior reverência, respeito e amor.

 

Há 60 anos, o popular jornal carioca O Globo, em sua edição do dia 11 de julho de 1953, publicou uma reportagem especial intitulada “Novo santuário para os católicos poloneses”. Com relação ao mencionado artigo, já no final deste texto, permito-me apresentar um trecho da minha monografia, onde descrevo as circunstâncias relacionadas com o aluguel do santuário que há tantos anos serve aos poloneses e à comunidade polônica como o seu centro espiritual e ao mesmo tempo igreja paroquial.

 

 

Por muito tempo, em ocasiões especiais e durante as comemorações cívicas, os poloneses utilizaram-se de diversas igrejas do Rio de Janeiro

Em razão dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, veio ao Rio de Janeiro um grupo maior de imigrantes poloneses. Uma comunidade polonesa mais numerosa tinha maiores chances de contar com uma pastoral própria. Dessa forma, passados anos, após numerosas tentativas fracassadas, surgiu a perspectiva de criar um centro pastoral polonês naquela cidade. No dia 3 de setembro de 1950, representantes da coletividade polonesa e da Sociedade Polônia − a Sra. Stefania Lincoln-Nodari, o duque Olgierd Czartoryski, o coronel Stanisław Kara, Edward Chmurzyński e Karol Gręziak − enviaram ao bispo Dom José Gawlina, que se encontrava em visita pastoral, um pedido para que lhes fosse enviado um padre polonês. Em razão do pedido apresentado, no dia 4 de maio de 1951 veio ao Rio de Janeiro o Padre Monsenhor Ladislau Słapa. No início, o Padre Ladislau fixou residência com os Padres Salesianos em Niterói, a seguir com as Irmãs Felicianas. Para as celebrações polonesas foi destinado um altar lateral na catedral do Rio. O Pe. Ladislau Słapa começou a visitar os compatriotas e deu início à catequese das crianças polonesas. Antes da sua vinda ao Rio de Janeiro, essa catequese era promovida pelas Irmãs Felicianas de Niterói. Elas também abrilhantavam as celebrações polonesas na catedral tocando o órgão e executando cânticos poloneses, participando de bom grado da vida polônica local. Mais tarde foi destinada para as celebrações polonesas a igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, na Rua Praia de Botafogo (na parte sul do bairro de Botafogo). A colônia polonesa começou também a mobilizar-se com o objetivo de assegurar meios de subsistência para um centro pastoral. Com esse objetivo surgiu o “Fundo Pastoral”. Para presidente do “Fundo” foi escolhido o engenheiro Tadeu Bobak. Ao mesmo tempo iniciou-se a procura de um lugar adequado que pudesse servir como centro pastoral da colônia polonesa. Em dezembro de 1952, E. Boston (de origem polonesa), adido da embaixada americana, avisou ao coronel Kara a respeito da possibilidade do aluguel de uma igreja (utilizado pela colônia inglesa) na Rua Marquês de Abrantes. Graças à ação enérgica de Lucyna Haczyńska e Janina Valeri, iniciou-se a coleta de dinheiro entre os poloneses para o aluguel da igreja de Nossa Senhora da Piedade, na Rua Marquês de Abrantes, 215 (na bairro do Flamengo). Embora essa iniciativa tivesse partido da Sociedade Polônia, envolveu-se nela toda a colônia polonesa, com o eficiente apoio do Pe. Ladislau Słapa. Até o dia 15 de maio de 1953 foi coletada para o aluguel da igreja a soma de 69 mil cruzeiros (Maria Tarnowska destinou para esse objetivo 25 mil cruzeiros). Dessa forma a diretoria da Sociedade Polônia, com base nessa significativa importância, pôde dar início às negociações com a proprietária dessa igreja, a Irmandade Imperial de Nossa Senhora da Glória do Outeiro. No dia 6 de junho de 1953 foi assinado o contrato do aluguel da igreja. Da parte da Sociedade Polônia, o contrato foi assinado por Bolesław Śliwowski e Lucyna Haczyńska. A assinatura oficial do contrato de aluguel da capela de Nossa Senhora da Piedade ocorreu no dia 11 de junho de 1953, no 17º Tabelionato do Rio de Janeiro, na Rua da Alfândega, 111 (registro: livro 1065, p. 89v). Da parte da Sociedade Polônia, o contrato foi assinado por: Aleksander Bolesław Śliwowski (presidente), Lucyna Haczyńska (vice-prfesidente), Mikołaj Kisiel-Kiślański (secretário) e pelos membros do conselho: Stefan Gabryś e Marian Klimczewski. Os mencionados compatriotas, com a ajuda do engenheiro Tadeu Bobak, de Roman Buszta, Marian Dąbrowski, Waleria Gajewska e Kazimierz Sienkiewicz, deram início aos preparativos para a inauguração da igreja polonesa. Em período posterior, Edward Kubiczek e Kazimierz Sakało esculpiram com recursos próprios o altar de Nossa Senhora de Częstochowa, que até hoje adorna a igreja que serve aos poloneses.

No dia 12 de julho de 1953 realizou-a a inauguração da igreja polonesa. A missa foi celebrada pelo bispo Dom Helder Câmara, e o sermão foi pronunciado pelo Monsenhor Benedito Maninho de Oliveira. No final da solenidade falou o núncio apostólico, Arcebispo Dom Carlo Chiaro, que se apresentou naquele dia com uma grande faixa da Águia Branca e da Polonia Restituta. [...]

Graças aos empenhos do Pe. Benedito Grzymkowski SChr, surgiu no Rio de Janeiro a paróquia pessoal polonesa de Nossa Senhora do Monte Claro. A solenidade relacionada com a sua instituição realizou-se no dia 8 de novembro de 1970, com a participação do cardeal Dom Jaime de Barros Câmara. [...]

Queremos neste ponto registrar também os encontros de representantes da hierarquia da Igreja Polonesa − no âmbito do seu ministério pastoral − com a colônia polonesa do Rio de Janeiro. Os poloneses residentes nessa cidade tiveram a honra de recepcionar os primazes da Polônia: o cardeal August Hlond (1934) e o cardeal Józef Glemp (1984), o cardeal Franciszek Macharski e os seguintes bispos: Teodor Kubina, Ignacy Krause, Jerzy Stroba, Zygmunt Kamiński, Stanisław Stefanek SChr, Henryk Tomasik e os bispos responsáveis pela pastoral dos emigrados: Józef Gawlina, Władysław Rubin e Szczepan Wesoły (diversas vezes).

 

É preciso ainda mencionar um grupo de hierarcas poloneses que celebraram uma missa na igreja polonesa e que fizeram companhia aos jovens poloneses que participaram na Jornada Mundial da Juventude em julho de 2013: o cardeal Stanisław Dziwisz, o cardeal Kazimierz Nycz e o bispo Henryk Tomasik.

 

Sacerdotes responsáveis pela pastoral polônica no Rio nos últimos 60 anos: Monsenhor Ladislau SŁapa, Monsenhor Ludwik Stanuch, Pe. Roman Ogiegło − salesiano. Desde 1963 essa pastoral é dirigida pelos Padres da Sociedade de Cristo. Prestaram assistência à comunidade polônica os seguintes sacerdotes dessa Congregação: Pe. Czesław Czartoryski, Pe. Zygmunt Szwajkiewicz, Pe. Benedykt Grzymkowski, Pe. Zenon Gąsiorowski, Pe. Paweł Piotrowski, Pe. Zdzislaw Malczewski, Pe. Jan Flig, Pe. Jan Sobieraj.

 

Esboço da história da igreja que serve à colônia polonesa do Rio há 60 anos

 

A capela alugada de Nossa Senhora das Dores, que serve à colônia polonesa carioca como igreja paroquial, foi construída num terreno em que se encontrava um palácio pertencente à rainha Joaquina, esposa do rei Dom João VI. Segundo dados históricos, já em 1720 existia nesse terreno uma modesta capela. Em 1810 Joaquina, esposa de Dom João VI, comprou essa capela e utilizou-a como oratório particular, visto que residia nas proximidades. Em 1818 foi realizada uma reforma da capela. Em 1842 o terreno foi comprado por Miguel Calmon di Pin e Almeida, e a seguir pelo Marquês de Abrantes, que ordenou a construção da capela de Nossa Senhora das Dores no estilo em que a conhecemos atualmente. O projeto da capela foi elaborado pelo major José Maria Jacinto Rabelo. O construtor foi Venâncio José da Costa. A bênção da capela ocorreu no dia 3 de outubro de 1864. Com a morte do Marquês de Abrantes, o palácio e a capela foram herdados por sua esposa Carolina, que se casou novamente com o Barão Catete (Visconde da Silva de Portugal). Em 1903 faleceu o Visconde da Silva, e os seus bens foram divididos entre os herdeiros. O palácio, juntamente com a capela, tornou-se propriedade de Carlos de Araújo Silva, irmão do Visconde. Em 1916 falece Carlos de Araújo Silva. O seu patrimônio é herdado por Sarah de Freitas Borges com a restrição de que após a sua morte a capela se tornaria propriedade da Irmandade Imperial de Nossa Senhora da Glória do Outeiro. De acordo com o testamento de Carlos de Araújo Silva, a Irmandade foi obrigada a preservar o culto na mencionada capela. (Cf. Arquivo Central Nacional do Instituto do Patrimônio Histórico-Artístico do Ministério da Educação e Cultura no Rio de Janeiro − pasta: “Capela Nossa Senhora da Piedade”; Arquivo da paróquia polonesa − pasta: “Capela Nossa Senhora da Piedade” (dados históricos da capela de Nossa Senhora da Piedade); cópia do testamento de Carlos de Araújo Silva do dia 26/05/1916, que foi registrado no Juízo de Direito da 3ª Vara de Órfãos e Sucessões − Cartório do 2º Ofício no Rio de Janeiro). No dia 7 de junho de 1926 os representantes da Irmandade assinaram nesse mesmo Cartório a obrigação quanto à execução do testamento de Carlos de Araújo Silva, garantindo que seria mantido o culto na capela de Nossa Senhora da Piedade. No dia 28 de maio de 1926, por decisão judicial, a capela de Nossa Senhora da Piedade passou a ser propriedade da Irmandade acima mencionada. De 1922 a 1951 a capela foi alugada por ingleses. (Cf. Arquivo da Paróquia Polonesa − Questionário relacionado com os dados históricos da capela elaborado para o Instituto Estadual para Assuntos de Herança Cultural no Rio de Janeiro). No dia 14 de junho de 1978, por decisão do Instituto Estadual para Assuntos de Herança Cultural, a mencionada capela foi registrada como monumento histórico. (Cf. Z. MALCZEWSKI SChr. A presença dos poloneses e da colônia polonesa no Rio de Janeiro. Lublin: 1996, p. 121-138).

 

                                                                                       Pe. Zdzislaw MALCZEWSKI SChr

 

Fotos da solenidade podem ser vistas no portal da Missão Católica Polonesa no Brasil: www.polska-misja.com.br

 

Rio de Janeiro, 26 de agosto de 2013, na solenidade de Nossa Senhora do Monte Claro, Rainha dos poloneses que vivem nas margens do Vístula e dispersos pelo mundo inteiro.       

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